sexta-feira, 26 de setembro de 2008

PROMESSAS DE ANO NOVO


Ele - Você poderia estar junto de mim
E preencher parte da solidão
Que de tão grande
Não cabe mais dentro de mim.

Ser parte deste poema
E não a metade que falta neste poema.

Há muito espaço ao meu redor,
Bastante para me incomodar.
Permanente para ter nomes:
Solidão, vazio, liberdade, autonomia...

Suficiente para lhe receber como parte
Nesta vaga em mim, imensa e enorme,
A me sufocar.

Tem tamanho para lhe abraçar
Tem carinho para lhe afagar
E amor para lhe dedicar.

Se você aceitasse ocupar
Meus vazios por pedaços de você,
A cada dia eu conquistaria
Pontos minúsculos de você.

Se você me deixasse fazer
De cada dia um novo dia,
Em todos eles eu lhe amaria
E só a você me dedicaria.

Não é possível que não haja
Uma pequena tristeza em você
Que eu não seja capaz de amenizar.

Um sentimento em você
Que não possa se incomodar
Com o meu sofrimento.

Amor eu não pretendo
Humanidade lhe caberia

Aliás, compaixão já bastaria para preencher
Esta solidão
Que de tão grande
Já não cabe mais dentro de mim.

Se você fosse parte deste poema, a completar os
espaços que faltam...

Em troca eu lhe amaria.
Tudo de mim eu lhe daria
Absolutamente nada lhe faltaria
- Isso eu posso lhe garantir.

Se você murmurar eu ouvirei
Quando pedir eu atenderei
Se emudecer eu respeitarei
Se cantar eu acompanharei,
Se dormir eu a velarei.

E quando acordasse eu a alegraria
Se você ficasse junto de mim
Nesta vaga que me acompanha.

II
Eu penso que emagrecerei
Perdendo a minha solidão.
Mais jovem, seria mais homem,
E cada dia melhor, menos porcaria.

Se você quisesse, e você poderia.
Tristezas eu nunca lhe proporcionaria
E existem tantas nesses nossos dias!...

Dissabores eu lhe pouparia
Todos os amargores eu carregaria e
As mais belas frutas separaria
Para lhe oferecer toda manhã de dia.

E ao entardecer, por nós dois, sozinho
Eu rezaria o Pai Nosso e a Ave Maria.

E para noites calmas com você,
Toda suavidade eu reservaria
Para a minha alma e o meu corpo
E com todo amor eu a beijaria.

Se eu fosse você eu pensaria
E não seria rápido que eu decidiria.
Um tempo longo eu ocuparia
Em querer saber por quais razões
Tudo isso alguém ofertaria.

Para se salvar? Pode ser! Seria!?
Para ocupar seu vazio?
Eu raciocinaria...

Talvez alguém esteja buscando uma nova parceria.
Ou uma aventura? - Isso eu descartaria.
Sendo tão sincero e verdadeiro
Aventura eu não admitiria.

III
Se eu fosse você, durante muito tempo
Assim eu pensaria...

E nesse interlúdio eu me prepararia.
Estudaria inglês e francês e
Grego e latim eu recitaria.

Em história da arte e
Em boas maneiras me especializaria.

E mais coisas fossem
Preciso todas elas eu iria aprender:

Andar de bicicleta,
Nadar de costas,
Pular em uma perna só

Passar perfume
Cortar o cabelo
Do jeito que você quisesse.

Comprar uma cueca nova
Usar paletó folgado
E sapato de salto inglês.

Se você quisesse
Eu me deixaria
Transformar-me em um
Novo homem sim,
Com a mesma solidão, diria.

E se você quisesse entender
Após julgar que toda a transformação
Que havia
Foi por você um dia.

Eu não vou pesar toda renúncia
Para lhe conquistar
Porque seria a nossa recompensa
O amor que eu lhe ofereceria.

IV
Ela por Ele - Mas o que em mim lhe autoriza
Tanta honraria?

Por que me reservou o espaço
Onde a sua solidão me caberia?

E se eu não for forte o suficiente
E tanta solidão latente
Fosse tão grande
Que de mim se apossaria?

O seu problema me abraçaria
Como eu me libertaria?

E se me supusesse forte
Para não aceitar tanta honraria,
Resolvido o drama,
Como você ficaria?

O seu sofrimento e a nova solidão
De que tamanho seriam?

Muito maiores que aqueles nos quais
Você já não cabia.

E nosso drama recomeçaria?

Mas calou fundo em mim
A proposta que você fazia.
Se eu aceitasse, assim então seria.

Mas não é a lógica que me restringiria
Mas a emoção imensa que me arrebataria.

V
Mas seria verdade? Eu duvidaria!
E nossos processos e perdas?
E seus copos de conhaque?
E suas ausências de perto de mim?
E novos bilhetes a serem escritos?

E minha angústia enorme?

E lágrimas fatais em meus olhos brotariam
Se para você eu voltasse
- E talvez eu voltaria -
E você não mudasse
- E você não mudaria.

E até acho que este erro eu estivesse a me dever
E essa fraqueza eu devesse me conceder

Adicioná-lo a tantos que eu me recusei
Esse nada iria me importar.
Meus créditos estão a suplantar
As perdas que tenho por enfrentar.

Desamor não é, não é por não lhe amar.
Humanidade ainda me resta, embora seja duro acreditar

E compaixão - antes de tê-la por você aqui presente
Reservo a mim pelo meu futuro a realizar.

É assim que eu tenho que pensar
Antes de aceitar a sua honraria

E toda a beleza que você me oferta
Na pureza do seu poema deste dia.

E mais um pouco ainda...
Há este tempo
Que cada dia mais avança
Sobre as minhas forças e me arrebata a vida.
E junto com ela a minha pouca beleza.

E se depois, mais tarde, de novo,
Do meu lado você desaparecesse,
Nada mais em mim se recuperaria.

Outro amor? Mesmo hoje eu já não espero e sonho.
Quem, neste alto-mar, deste
Velho barco se aportaria?

Que tempestades e ventos fortes
Ele ainda enfrentaria?

Hoje eu tenho conhecimento dos meus limites.
Entre uma aventura errante
E uma aposta alta para ser perdida
Fico com o meu barco na calmaria.

Assim prefiro ficar.
Na solidão de hoje eu aprenderia
Na liberdade de amanhã eu me bastaria.

E se houver - e haverá - tristeza
Sobre ela eu escreveria.
Com esta dor no peito e este beijo de agonia
Que no seu poema eu sei pouco lhe adiantaria
E sua solidão não resolveria.

VI
Ao acordar no dia seguinte
Ao ano que se estabelecia
Mais parecia um sonho
Que durou mais de mil dias

Tamanha a solidão imensa na qual
Ela já não cabia.
Dos seus olhos uma lágrima nascia
E junto com ela promessas de ano novo que ele se fazia.

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Mulher da Tela Branca


No isolamento
Minha mão vai sendo instrumento
Para escrever o meu pensamento,
Para pintar o seu movimento.

Na solidão não há vaidade
Cada poema é uma intimidade
Cada quadro é uma saudade
Que expressa minha verdade.

Não sei para que tanto silêncio
Por que tanto isolamento
Não precisaria de solidão
Para toda essa produção.

Quem olha meus poemas e os lê,
Quem acha meus quadros e os vê,
Entende o meu pensamento
E observa o seu movimento

Conhece logo você.

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À procura da autenticidade


Sou esquecido...
Esperei a saudade para sentir amor
Nas vozes a lembrar a turba
Relembrei a solidão.
Sorri um dia para lembra o choro
E chorei para recordar a lágrima.
Senti silêncio para gostar da música.
Sou esquecido...
Esqueço o sonho sobre as montanhas altas.
Esqueço os mares.
Esqueço os versos.
Não percebo.
Esqueço eu mesmo ao me julgar maluco
Ou a ver teorias que esqueço o nome.
Na fria amante eu implorei ternura
Eu regredia e encontrava Nívea:
Feiticeira em fogo. Um canhão bramindo.
Esqueço agora o tema da poesia
Me alienei de hoje para sentir-me ontem.
Sou esquecido.
Olhando o pobre não vejo a fome
Andando - Bobo - Eu não sinto a massa.
Matei um corpo sem pensar na carne:
Esqueci.
Sou esquecido...
E parti heróico e voltei covarde:
Não lembrei de como vencer a mim mesmo.
Esperei a noite neste sol nascente
Esperei nascer e já estava vivo.
E moribundo procuro onde achar um encontro
Onde só haja eu e não exista o mundo
Moribundo espero o chegar da morte
(sou esquecido).
Pra lembrar a vida.

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Encontro ao saber-se vago


É luz, tê-la para ser cego
Amar é sentir
E viver sem um sentido...
É sem som o amor
E amar a luz de ser-se mudo
É amar o amor de ser-se vivo.

Mudo é o pedido
É a clama de bradar só puro
Chama de pedir-se tudo
Tudo que se grita em vida.

Nada que se peça - Negas
Dá-me então o ar da vida.

Pouco só que falo - Mudo
Nada que te vejo - Cego
Ouço-te. Sou surdo e sinto
Sonho de acordar aflito

Encontro-me fugindo à morte
Tudo que se diz é dela.

Encontro então nos ares cheios
Tanto quanto os mares sós
Aflito um alguém que chega
Sou eu... A negar eu mesmo...
Sou tudo... A não dar-me nada.

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INTERSTÍCIO ENTRE A FEBRE E A DOR


Eu queria eclodir em meio à bruma
E ser qual ventania voluptuosa em meio à morte.
Eu queria ridiculamente decompor a matéria
Estilhaçar-me. Enfitilhar-me
E que cada átomo depois no infinito fosse encontrado
E pelas mãos de Eurídice moldado um deus de bronze.
Eu seria o estigma das vestais
A estátua da mortandade e dos deuses vencidos
Impassível e à intempérie do infinito
Eu congelaria um olhar estático ao solstício do
desespero
E no apocalipse da agonia
Seria o interstício entre a febre e a dor.

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Alumbramento

Eu vou fluir teu corpo amado
E amar teu seio exangue
Mutilar meus membros
Decepar o crânio
Morrer, se tu quiseres
Vou voar para deixar o corpo estranho
Perdido em labirintos-desenganos.
Mas ouve...
O que importa a vida...
Ter podido ter a boca nos teus seios
E a língua nos teus flancos...
Vou morrer
Vou deixar a dimensão do pensamento
Vou ser - ou não ser - bruma e alheio
Depois de fluir teu corpo amado
Depois de amar teu seio exangue.

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sexta-feira, 19 de setembro de 2008

ELEGIA À DESCRITIVA


Tuas faces, tua máscara retilínea,
Compõem três linhas.
Tua imagem projeta tua sombra;
Tua verdadeira grandeza
Num plano da vida.
Rebato tua alma.
Triângulo reto médio a metro
Inscrito num círculo,
E vejo tua vida tangente
Que toca um ponto no mundo,
Tangente a tudo.
Sou também um plano
No centro do mundo.
A mediatriz do Equador
Me passa no ventre.
Isola-me e parte-me
Em dois semicírculos:
O do lado da vida
E o do da vida sem lado.
Rebato e rebato
E não determino a resposta.
Urge uma épura,
O tempo escasseia.

Tirei paralelas,
Comparei geometria
E logo, o obtido não é procurado.
Gritei alto a Monge.
Heráclito nega:
Foi dado e me fado
Teu filho, teus netos,
Teus retos bisnetos
Que rebatam e rebatam
E determinem a resposta.


Em tudo procuro
Ver glórias nos fatos,
Pois, traço que traço
E meço, que meço,
Volto à questão,
Leio e releio, começo e refaço,
Apago e apago,
Não existe um afago,
É isto marcado,
É isto calado,
Sem par de começo,
Sem fio de meada,
Sem alma e sem nada.
Caço que caço
E sempre a charada
Na noite se esconde.

Os graus não aquecem.
Tudo pertence entre si;
É um casulo fechado:
O ponto à reta,
A reta ao plano,
O plano ao círculo
Tudo na linha da linha da terra,
Onde pontos de homens sem retas
E retas sem planos projetam
A figura no ciclo do mundo indiscreto,
Que vê só visível o segundo diedro.

Moldei doze linhas,
Nasceu o cubismo.
Tudo sem forma.
Inexato. Obtuso.
Dei vida a um morto
E já quase que estava,
Renasço de um plano
E encontro não mais um servo,
Mas a semidéia.
Aurora e imponente,
Esguia,
Uma reta justa e perene.
Agora não apago,
Não mato,
Só nasço,
Renasço,
Refaço e esqueço
No espaço passado
O tempo precário.
Agora bato e rebato
E determino a resposta
E livro um sonho
Tão antes hermético
Na alma fecunda de um ser geométrico.

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PASÁRGADA LISBOETA


Vou mudar-me pra Lisboa.
Amigos não tenho nenhum...
Terei tantos e sinceros...
Deixarei você com inveja
Sendo amigo do rei.
Você é a mulher que eu quero.
A cama eu escolherei.
Vou mudar-me pra Lisboa
Onde a aventura existente
Não está no samba, mas no fado
O qual eu acolherei.

Sua terra não tem vida,
Alegria, coração.
Tem tristeza, gente boa,
A vontade, a intenção.
O que resta nós trazemos
Pra Lisboa em nossa mão.
O canário, nossa cama,
Os endereços, o Salomão
E suas aulas que nos deixam
Satisfeitos, de pé no chão.
Vou-me embora pra Lisboa,
E vai ser neste verão.
Voltaremos todo ano,
Ao repetir essa estação,
A ver a praia, o samba,
A glória de viver nesta inflação.
Por agora vou-me embora
E sou todo emoção.
Vai dar certo - não se assuste
Acredite em mim, pois então,
Em Lisboa tem palmeira
Onde canta o sabiá.
As aves que aqui gorjeiam
Imitam o canto de lá.
Vamos logo pra Lisboa,
Onde a glória do tempo está.

Joana, a louca de Espanha,
Vai ser madrinha e parente
Da filha que eu lhe farei.
No tempo daqui eu a vejo,
Na adega do Ribatejo
Na ceia da Cave Adão.
Nas ruas do Bairro Alto,
Rossio, Cascais, Sesimbra,
Na vila de Nazaré.
Você será a mais bela loira
Que já se me fez mulher.
Venha! E traz o teu filho
Que para mim não é empecilho,
É vida nova em que se põe fé.
Mulher! Se você se estima,
A vida toma de assalto!
Aceita essa prece de vida
De alguém que reza de pé!

Vou-me embora pra Lisboa!
Vou morar sob os telhados
Baixos e amarelos de Alfama.
Encostar-me nos ladrilhos
Velhos e acabados do Chiado.
Aqui, a aventura é inconseqüente
E a vida é tão demente
Que não se sabe o que se ama:
O corpo doce dessa hispana,
O comportado da germana
Ou o sotaque dessa gente
- Vida livre que se irmana
Nessa terra diferente.
Portugal! Lisboa insana,
Amiga e bela, febril, nascente!

Terei a alegria que espero
Na terra que amarei
A terra é a Lisboa antiga
A casa eu ofertarei.
A alegria que você traz no peito
Sua voz de canário, seu jeito
Sua graça brasileira
Eu agradecerei.
Esse é todo enxoval urbano
Que em Portugal lhe exigirei.
Vou-me embora pra Lisboa
de Sintra, Trindade e Lei.

Seus bicos de seio,
Suas ancas
Seus lábios eu amarei.
Vou-me embora pra Lisboa
Lá, sem amigos, sem rei,
Terei a mulher que quero
Na cama que escolherei.
Vou-me embora pra Lisboa,
Amanhã definirei.

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