quinta-feira, 26 de março de 2009

NÃO QUERO MAIS SABER

Foto: José Araujo

De jornal eletrônico, de avião que caiu, de assassinos soltos por aí....
De mortos por balas perdidas, de garotos que puxam fumo
Na praça da delegacia.
Não quero mais saber de quem foi o barco que se perdeu, o navio que
Não voltou e a criança que se matou.
Não quero mais, não quero mais...
Cansei das mesmas notícias
São séculos de repetições
São vidas para nunca mais
São Espíritos que não retornam
Desastres que nos sufocam...
São notícias que estragam os dias,
Maculam as tardes e intoxicam as noites...
Não quero mais nada disso
Cansei de todas as falcatruas
Dos mesmos homens do poder desde o dia que nasci
Das mesmas soluções postuladas que terminariam com tudo isso
Mas que nunca se votam ou aprovam...
Deixem-me no meu espaço
É do tamanho que conquistei
Tem a cara do que construí
E a cor da primavera...
Aqui não se ouve nada do exterior
Aqui não se lê nada do que vem de fora
Aqui não se discute nada do dia a dia
Aqui é meu campo de isolação
Aqui é meu buraco na selva
Lemos livros sobre a vida
Ouvimos as musicas que compomos
Aqui só vale o que vem de dentro
De dentro de meu coração

segunda-feira, 23 de março de 2009

MSN 1


Fazia tudo que ela pedia. E falava.
- Faço tudo que você pedir e tudo que você mandar também...
Não tinha receios, não tinha disso...
Gostava dela e deixava isso transparecer na frente de qualquer um e de todos. Achava que isso nunca era demais, porque o que era verdade devia ser mostrado às claras...
Esse era seu jeito de ser.
Gostava de dizer na frente dos amigos ao apresentá-la:
- Minha mulher
Ela, então, adorava...
Seus diálogos eram assim:
Ela diz:
Beija eu
Ele diz:
Beijo... beijo sim... adoro beijar ocê...
Ela diz:
AGORA ABRAÇA
Ele diz:
Abraço... abraço sim... adoro abraçar ocê...
Ela diz:
AGORA aperta mais o abraço
Ele diz:
Aperto o abraço... aperto sim... adoro apertar ocê....
Ela diz:
AGORA ASSIM: ABRAÇO E BEIJO AO MESMO TEMPO. BEIJO BEM GRANDÃO.
Ele diz:
Faço tudo que vc pedir e tudo o que vc mandar também....

Formavam um casal feliz... virtualmente acabaram casando...

SOBREVIVENTES

Foto: Abraço - Ligia Monterroso


Ainda sou um daqueles
Que saem de casa cedo para chegarem logo,
Que querem ser os primeiros a chegar para não perder nada da festa.
Que viajam, tantas horas quantas forem necessárias,
Para ver os amigos chegarem um a um e ir lembrando cada um.
Cada um no hoje e cada um no ontem, naqueles tempos que deixávamos correr a pipas pelas ruas que ainda eram desertas.
Cada um que deixou uma lembrança, um retrato, um poema
Naqueles abraços apertados que reconciliavam, que davam força, que eram verdadeiros.
Ainda sou um daqueles como eles que estavam lá e estão aqui agora
Com o mesmo sentimento que pesou tanto de lá até aqui que consumiu tudo isso: a saúde, os cabelos, os entes queridos, a graça de cada um, os amores...
Felizes dos que ficaram e agora falam dos netos, da casa cheia de gente e de amigos porque amigos são mais que gente, são mais que amigos, são mais que mais...
Amigos são seres eternamente sobreviventes...

MENSAGEM DELES


Quando há treva, é o silêncio o teu imperador inconsulto.
Não há plano, não há espaço, não há lado, direção, caminho.
Na treva pouca diferença faz tua escolha.
Agora não precisas mais escolher:
Pode ser o Bem, pode ser o Mal,

Não há comunicação.

O silêncio impera sobre a escuridão da treva.
Não há escolha que console ou opção que custe menos.
Os planos são inexplorados pela tua consciência.
Tu não sabes como se manter na treva.

Aqui é o nunca mais.

Primeiro infinito sem fim para os que chegam.
Morada final dos viajantes que partem...
Primeiro e último plano de geometria imponderável.
22/9/97

sábado, 21 de março de 2009

RETORNO


Ela voltou pensando em reconciliação.
Afinal, havia ficado um naco de paixão que ela não conseguia abandonar,
como pão amanhecido que, se jogado fora, ofenderia a Deus.
Olhou em volta o que pode ver e fez perguntas:
- Não havia aqui uns bois?
- Ele bebeu...
- E casa e cavalos?
- Ele bebeu...
- Cães e galinhas?
Ele bebeu...
Fazenda e plantações?
- Ele bebeu...
Ao som dos Noturnos de Frédéric Chopin ele dormia...
A cabeça pousava sobre o último monte de bosta seca
da fazenda que um dia fora fruto de seus amores.

domingo, 8 de março de 2009

SERÁ?

Este moinho todos nós podemos fazer rodar sobre o mesmo tema. Deixe sua sugestão em comentários e eu incluirei no texto.
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Quem é órfão - o que se foi sem filho ou aquele que restou sem pai?
Alfredo
É duro não ter pai, mas quem é pai ou mãe sabe que se amam mais os filhos que os pais....
Mais difícil é ser pai e perder um filho que perder um pai
Elaine
Órfão não é o que perde seu ente querido para o inevitável...Órfão , seja pai ou seja filho, é o enjeitado, abandonado à própria sorte...
Nelvi
huerfano no es solo el que no tiene padres tambien lo es el que no sabe escuchar porque se queda huerfano de palabras, el que no ve porque se queda avido de seres paisajes y encuentros, El que es huerfano de desencuentros es pasar por esta vida despidiendo o lo que es peor no aceptando vivir aqui y ahora
Maria Teresa de Colômbia
Sei não...sei não...Eu hoje acordei achando que órfão é aquele filho que não tem pai ou mãe ou nenhum dos dois. Assim, só isso.
Cristina (Tita) Ancona Lopez
Órfão é todo aquele que teve um rompimento nesse laço Pai ou Mãe/Filho(a).
Não importa se ambos estão vivos ou não. Quem carrega em si esse amor como algo sagrado, mesmo distante, pode sentir saudade, mas jamais sentirá a orfandade.
D
Órfãos ficamos diariamente, alguns dias mais outros menos.
Ana Célia
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sexta-feira, 6 de março de 2009

NO CORTIÇO


Não, não, não... Aqui não se deve olhar, porque as vemos por toda, toda parte...
Aqui não se pode brincar...
Aqui é o enfrentamento direto, a exposição, o arregaçamento.
A torpeza está aqui, está aqui exposta, arreganhada, aberta, clara, exata, nua, solene, imperiosa...
Aqui elas nos observam e nos julgam, nos reconhecem e, o que é pior, nos apontam o dedo – É ele!... não é Ele?... Acho que o conheço... não é o ... ou o...
Elas assim dizem ao nos verem passar.... acho que temos um estigma revelador que nos faz sermos o que somos, próprio ao julgamento delas.
Da medida de suas réguas escondidas e conquistadas a duras penas, ficamos sob a mira de suas revelações.
As malditas senhoras sentadas às calçadas do bairro observam, observam, observam e definem quem é quem; quem que é fulano, como é ser beltrano, como é que ficou fulano, como a promessa não se revelou, como não é mais o que se pensava que fosse, era tão bonito, tão altivo... veja só no que deu... ficou isso que vemos, sozinho, ninguém o agüentou, ninguém o quis para o resto da vida... dizem que a mulher batia nele, o colocava para fora de casa e ele ia...

Não, não, não, não... Aqui não se olha nada, nunca...
De dia, de noite, de tarde ou em dia de chuva...
Elas espreitam sempre, elas se revezam automaticamente para observar sempre, sempre, sempre...

Não, não, não, não... Aqui só se olha se for para ser o último olhar...

NA MINHA CASA MAIS MINHA


Nasci aqui nesta casa,
Cresci aqui nesta casa...
Se pouco cresci foi aqui
Que o crescimento não veio.
Estudei aqui nesta casa
Se pouco aprendi
Foi aqui que estudei pouco.
Vivi aqui nesta casa
Se pouco vivi foi daqui
Que me arrancaram logo cedo.
Educaram-me aqui nesta casa...
Se pouco educado sou
Foi aqui que me educaram todos
Tive um amigo aqui nesta casa
Se bom amigo não sou
Foi daqui que a amizade não veio.
Conheci você nesta casa
Se já não conheço mais
Foi porque esqueci você nesta casa.
Amei você nesta casa
Se a você não amo mais
É porque se foi com o amor a esta casa.
Meu pai morou nesta casa
Minha mãe morou nesta casa
Se filho ingrato fui
Não foi por causa da casa
Não os esqueci jamais.
Tive um gato aqui nesta casa
Tive um cão aqui nesta casa
Já não os tenho mais
Enterrei-os aqui nesta casa.
Brinquei muito aqui nesta casa
Soltei papagaios, pandorgas, pipas
Fiz aeromodelos
Hoje não brinco mais
Esqueci-os aqui nesta casa.
Aqui desta casa tenho lembranças e
Recordações que não acabam mais
Se minha memória é maior hoje
As arrumei depois desta casa
Nas outras casas onde morei
Que não foram melhores que esta casa.
Esta casa foi maior que esta casa
Esta casa foi a casa de meus sonhos
Sonhos nascidos nesta casa.
Nesta casa onde morei

NO PEDACINHO DO CÉU


Os beija-flores nasceram
Os beija-flores nasceram
Pretinhos... do tamanho de uma vírgula
A beija-flor foi buscar comida,
Eu instalei o bebedouro,
Você ficou sabendo da notícia.
Todos foram tocados
Pelos beija-flores que nasceram.
Foram dois os que aqui chegaram
Agora somos quatro aqui em casa.
Os beija-flores que nasceram
Vieram ocupar o lugar
Dos meus pais que morreram.

Os beija-flores nasceram
Os beija-flores nasceram
Tocam Beethoven, tocam Bach e Vivaldi,
Cadê minha mãe?
Cadê minha mãe?

Tocam Aldir Blanc, Jobim, Pixinguinha
Cadê minha madrinha?
Cadê minha madrinha?

Os beija-flores estão sós
Agora só têm a mim
Cadê minha mãe?
Cadê minha madrinha?

Os beija-flores nasceram
Os beija-flores nasceram
Acudam pelo amor de Deus,
Façam como a mim fizeram
Quando a minha mãe morreu.

AVENIDA


Depois da Rua Tabajara
Há a avenida dos sátrapas e farrapos,

Um esteticismo estático
E o postulado de uma reta.

A perfeição de um busto em bronze
E o sexo de uma mulher em argila.

E também as ferramentas do tolo:
A ira, o ódio, o desamor e pedras.

Há uma intenção de ser humano,
O inevitável e o ser vivo;

A revolta do soldado,
Um sêmen que se compra

O riso crônico do pederasta.
O histerismo do maltrato.

Na avenida dos farrapos,
Na ogiva dos sátrapas,

O esboço infra-humano
Do vocábulo das metáforas.

quinta-feira, 5 de março de 2009

SOLIDÃO NO BRASIL


Você fica com sua solidão. Ponto final.
Sua solidão é sua. Minha solidão é minha.
Solidão não tem plural.
"Solidões" não existe na língua portuguesa.

HIPÓTESE


Nina a cachorra
Ouviu tanto Mozart, tanto Mozart, tanto Mozart...
Que acabou surda
Como Beethoven.

GÊMEOS


Não é que eu não esteja apaixonado, só um pouquinho.
Não que eu não me lembre de todas aquelas passagens e promessas, só as relevantes.
Não que eu tenha algo a reclamar ou cobrar... Não. Nada a esse respeito...
Do passado não registro nada melhor do que algumas imagens grudadas em minha mente...
Não que eu ache isso de uma relevância fundamental, não dou a menor importância...
Sempre achei que você nunca me conheceu profundamente, lá dentro mesmo.
Porque se você tivesse me conhecido bem, saberia o grande mentiroso que eu sou...

SONHO COLORIDO E MUSICAL DO ZÉ DA MINA


Queria que o que pensasse se realizasse,
Se assim fosse mais feliz seria.
Queria porque queria se expor, se desse...
Queria entrar na sala e, ao ouvir ao fundo aqueles violinos,
Queria poder dizer: Beethoven... Romanzas #1 Opus 40...
Queria poder dizer: Bach... Concerto para Violino in E, BWV 1042 – Allegro.
Essa é a 41 de Mozart – Júpiter – Segundo movimento.
Ou queria poder, assim, quase que se desfazendo de um ser superior afirmar: Esse Vivaldi... Embora tenha que admitir que esse Mandolin seja realmente intrigante... Assim ele queria que fosse se pudesse.
E se esforçava... Esmerava-se de fato e gastava muito tempo tentando decorar sinfonias e concertos e buscava conseguir distinguir um Bach de um Mozart, um Vivaldi de um Schubert. Não era apenas sonho e desejo... Ele realmente trabalhava para tanto... Colocava muito esforço pessoal nisso.
E era exigente... Queria reconhecer rapidamente ao passar por qualquer lugar, já queria poder saber o autor e a peça, mesmo no meio de uma sinfonia quase infinita. Queria velocidade, reconhecimento, exatidão no apontamento. Não poderia errar. Tinha que ser preciso. Técnico. Perfeito.
As razões para querer que isso assim fosse eram obvias. Queria o reconhecimento dos outros, a satisfação própria de ser sabedor do que os grandes mestres compuseram no intricado mundo dos clássicos. Tinha uma platéia definida. Senhoras de mais que certa idade irrevelável... E também usaria esse atalho para desviar a conversa recorrente sobre os planos e trabalhos pendentes do escritório de arquitetura. Ele freqüentava salas de concerto toda semana, varias vezes por semana se possível para afinar os ouvidos para o reconhecimento ficar mais treinado...
Esse era seu sonho colorido e musical.
Não deixava ninguém saber que seus ouvidos só eram pródigos para distinguir explosões de dinamites em minas de carvão.

ARITMÉTICA

Calandri aritméticos da Idade Média

Depois de tudo que fiz,
Somo. Multiplico. Divido. Subtraio.
Não ganhei nem mais um dia de vida...
Vida, noves fora zero.

DESTINOS


Rio Boa Terra,
Rio Pimenta,
Rio Fortuna.
Naquela estrada os rios elaboram
Um ponto de vista.
Naquela outra os rios não tem nexo,
não tem bom texto
Não insinuam nada.
Na outra, ainda, não tem nome, nem substantivo, nem pronome.
O Rio das Ostras, o Rio das Belezas e o Rio das Alegrias
estão na estrada que vai para minha casa
Esses rios procuram provar alguma coisa
Mas todos terminam inconclusos dentro do mar...

CULT


Ela?
Ela é cult.
Dos pés à cabeça ela é cult.
Cultua-se, cultua-me, cultua-lhes
Dos pés à cabeça,
Cult, cult, cult.

quarta-feira, 4 de março de 2009

GAIVOTAS


Ele saiu espumando liberdade.
Quando passaram as gaivotas
Ele pegou carona nas asas da
Mais branca entre todas elas e
Saiu da vida sem olhar para trás.