segunda-feira, 29 de junho de 2009

ESPAÇO PARA ESCRITORES CONVIDADOS

Este texto é do Poeta Benedito Fernandes Duarte - Benê

procuro ou não (ponto de interrogação)


Foto: Ensina-me o caminho, ó anjo... - Inácio Freitas


procuro, ou não ( ponto de interrogação )
um sentido na vida
um teclado de computador
que tenha dúvidas
que tenha o ponto de interrogação

acredito no meu inconsciente
que tudo começou no big bang
acredito no amor correspondido
no trabalho honesto

quando eu tinha a infância
a adolescência
eu procurava firme
eu procurava tanto

que procurava uma rádio
na sintonia fina
das ondas curtas

que procurava o risco
no rio cheio
da lua nova

procurava passarinhos
por trás das casas dos maribondos
era uma criança um otimista

hoje procuro
não sei o que
se é um e-mail
o som de um telefonema
do meu vizinho
que me procurava
pra levá-lo para o hospital

procuro o anonimato
e sair do anonimato
já não me iludo irmã irmão
ao masoquista
não frustra a frustração

procuro lidar
com meus impulsos
de destruição
frustrar o desejo
de um cafezinho
pois dói a gastrite

procuro a saúde
no mamão com maçã
na fruta da tentação
já não procuro
sentido pra vida

desejei um dia
só ter os problemas do amor
e do sentido da vida
pois que ainda não sabia
do conselho chinês
do cuidado com os sonhos

amei na contramão
desobedeci a um oráculo
topei a Febem
conheci Satanás

com ele aprendi
a ter nada a perder
"só o amor pelo Flamengo"

foi lá que aprendi
com os meninos danados
com o poeta preto
que a alma fica presa ao cárcere
fora da cadeia

procuro, ou não
a liberdade
para o que
com ela fazer
( ponto de interrogação )

benê.
sp, 26 de junho de 2009.
( orgulhoso por ter sido presidente da Febem ).

segunda-feira, 22 de junho de 2009

O PAI


Foto: Quando o café se cala - António Pereira


Perguntado à mesa se queria mais alguma coisa respondia sempre:

- Uma banana, uma água e um café.

12 de Maio de 2.009

O VIAGEIRO



Foto: Estrada Assombrada - Raul Nunes

De repente se confundiu todo. Sua cabeça que parecia exata e clara se mostrava turva e confusa. Via o que nunca vira antes. Sentia o inesperado. Parecia tudo brincadeira. Mas não era.
O carro que dirigia não parecia andar na estrada estreita. Pelo contrário. A estrada é que parecia rodar embaixo do carro que, se mantendo estático e fixo, ganhava velocidade. O destino parecia correto. Ia sem utilizar a direção. Sabia qual era o objetivo.
Ao chegar experimentou outra sensação. A de não precisar andar. As pernas, sem se movimentarem, levavam o corpo para uma casa desconhecida. A calçada é que se movia. Tudo sem explicação. Inédito. Obscuro. Da mesma forma entrou na casa, sem os movimentos das pernas. Foi sentado na mesa da cozinha pequena pela cadeira que se encaixou sobre suas pernas e nádegas e o que estava servido na mesa se movimentava e lhe alcançava a boca em doses corretas e pausadas. A cada tempo o guardanapo subia da mesa e lhe alcançava a boca limpando-a com certa delicadeza. Sentiu-se satisfeito e os alimentos pararam automaticamente de vir ao seu encontro. Um copo de suco se deslocou para selar a refeição.
Estranheza era o que sentia. Medo sob certo aspecto. Expectativa para saber o arremate daquilo tudo. Por que acontecia isso? O que ele fizera que autorizava esses acontecimentos estranhos? Quem comandava essa estranheza toda? Quem? Porque devia haver um comando. Alguém devia ter uma razão para esse exercício. Mas quem? E onde? Com que objetivo e para vantagem de quem?
Muito tempo já se passou. Até hoje ficou o amargo sabor do inexplicável. Nunca foi capaz de entender o acontecido naquele dia de Outono. Fato é que quando liga um carro e se aproxima de qualquer estrada tem a estranha sensação de que não precisa se preocupar. Será levado. Será guiado para seu destino.
Mesmo para o nunca revelado.
12 de maio de 2.009

VIAGEM MUSICAL



Foto: Só quem voa sabe porque os pássaros cantam - isabel almeida


Ficava enlevado com o som das músicas. Aquela seleção era muito especial. Provocava uma viagem aos seus sonhos. Cada música tinha um pedaço seu. Uma história passada. O desenho de uma paisagem e a presença de algum ser que ele considerava muito. Em algumas paisagens tinha animais que ele adorava, em outras, pássaros que chegavam e partiam de forma leve e rápida se revezando como o vento batendo nas árvores enormes e verdes fortes de lugares visitados, vividos ou sonhados. Havia ainda seres humanos, e esses compunham histórias que se confundiam com a sua história de vida. Desfilavam em sua memória pais e irmãos e parentes distantes, mas queridos, amigos e conhecidos que o enterneceram, abraçaram, ajudaram e compuseram seu quadro de referências do que fora a sua vida. Não computava tristezas do passado. Armazenava memórias agradáveis. Buscava ter uma vida mais amena, por isso esquecia, se é que se lembrava, o que não lhe convinha à sua felicidade. Não regredia tanto no tempo. Da infância não tinha muitos registros, mas tinha lembranças que indicavam que havia sido um período feliz. Não regredir, no entanto, não significava ter memória tão recente. Por descuido, muitas vezes, quando contava o tempo, poucas vezes, se assustava que aquela passagem se dera há quase um século atrás. As músicas não tinham passaporte. Eram universais. E, assim, como os sonhos, o passado se dava no espaço do mundo, sem restrição de épocas ou nações. Cada música uma viagem. Em cada viagem um sonho se mostrava cada vez mais claro e próximo. Nessas viagens perpetuava sua juventude, esquecia sua idade que se acumulava e perturbava. Um dia, sob uma valsa de Strauss, deitou-se de costas, apagou o cigarro, fechou os olhos, relaxou o corpo e foi descobrir porque os pássaros cantam.
22 de Junho de 2.009



Estou participando com este texto do Concurso Talentos da Maturidade promovido pelo Banco Santander. Visite-o no site do concurso: http://www.talentosdamaturidade.com.br/galeria/detalhe/work/1554