sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Meu anel de Pedra


Esta pedra eu trouxe de Bali.
É ametista, conforme os preceitos
Que li nos livros da aurora.

Este anel precisa estar em meu dedo
E ser meu fiel companheiro a toda hora.

Esta marca que me fica no dedo é lembrança
Dos tempos que usei aliança.

Fui casado na Terra - Já tive outros companheiros.

Esta pedra é uma pedra das ruas,
Dura como o meu coração.
22/9/97

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

SEU SONO DE GRAÇA


Nós havíamos combinado de ir a Roma aquele dia,
De passear de mãos dadas,
De vestir branco e azul...

Nós havíamos combinado de sair só nós dois,
Sem carro, andando a pé...

Nós havíamos combinado de ser felizes por um momento,
De dar graças aos nossos dias,
De ter algum encantamento...

Nós havíamos combinado...

...Mas você dormiu.

28/06/2.002

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

OLÁ, CARA!


Quando falo de amigo
É a você que me refiro
É em você que me inspiro
É de você que me lembro
É aos nossos tempos que volto
E aos nossos dias que retorno
Onde nós existíamos como amigos
E não nos importávamos
E não nos custava nada
Nem o preço dessa dor de estar
Separados.
Porque disso não se cogitava
Quando éramos amigos
E víamos o mundo sob os nossos olhos
E não sabíamos que ele iria descendo
E se fazendo terra de se pôr os pés
E se sentir saudades
Porque não víamos o futuro
E já bastava o momento
De estar junto com você
Que era sinônimo de amigo.
Aconteceu quando éramos amigos
Há muito tempo atrás...

O BRANCO É O RESUMO DAS CORES



Na solidão busco o sentido das coisas
Examino o produto e o valor do isolamento
E divido o tempo em horas de pensar,
De produzir e analisar poemas e pinturas.

A solidão extrai os mais profundos tesouros
De minhas entranhas
Que vão saindo pelas minhas mãos
Em poemas, e expressões, e poucas palavras.

Na solidão o silêncio é fatal
O encontro é virtual
A verdade é mortal.

Da solidão brotam versos reais
Pinturas factuais
E pensamentos horizontais

Nada passa desapercebido na solidão.
A mínima vibração de som é captada
A mais solene batida de coração é percebida
A reação da vida é pintada
A emoção é registrada.

A solidão expressa a vida amordaçada.
O branco é o resumo das cores.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

A VÍRGULA


Sim. Aceitava-se como vírgula.
Como já fazia anos seu constante encolhimento até essa transformação em vírgula acabara se conformando, aceitando.

Era útil. Quase o tempo todo era requisitada para a ordenação de um texto. Tinha pouco descanso, mas não sofria com isso. Além do mais esse estágio era mais estável.

Não tinha mais que sofrer os dissabores que tinha quando comia letras... Isso era muito desagradável. Era mesmo.

Não gostava e não se conformava era com o amor. Entristecia-se. Gostaria de ser amada pelo bonito ponto de exclamação, pelo ponto de interrogação ou o elegante & comercial. Mas nada. Nunca era pousada junto a eles. Sempre estava longe e por isso não era notada.

O tempo acabou convencendo-a a ser menos exigente e a tentar se aproximar mais de figuras menos importantes como o hífen ou o underline. Nem isso.

Só mesmo as consoantes. Tinha uma queda especial pelas vogais. O M, o S, o T. Mas era raro estar próxima a eles. Na maior parte do tempo só mesmo as malditas vogais.

Tinha, assim, uma especial implicância com o O. Gordo, redondo, inexpressivo. Queria mesmo era um K, ou um L maiúsculos. Ou um I, elegante, formoso, alto. Quando não chovia, de Março a Setembro e desencolhia voltando ao tamanho humano normal então ficava sonhando com as consoantes. Falava com elas pela Internet, recebia promessas que sempre acabavam em nada. Desistiu. Não dava certo.

No seu último retorno a vírgula em 12 de outubro passado acabou se rendendo e assumindo sua relação com o S, mesmo torto e desequilibrado.
Por ora, parece que são felizes. Vivem de vocativos.
07 Out/2008

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domingo, 5 de outubro de 2008

PERDAS E DANOS


Saudade
Não lembro o número da rua
Onde ficava a casa de meus pais
Precisava de número?
Precisava de rua?
Precisava de casa?
Precisava de meus pais
Sem casa
Sem número
Sem rua
Onde ficava a casa de meus pais
Ficou a recordação,
A lembrança,
A dor e o inevitável
Choro de saudade de ambos agora mortos.
Onde ficava a casa de meus pais
Falta meu pai, falta minha mãe, falta você.

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SAUDADE 2


Meu pai já tinha se ido quando vc entrou na minha casa
E a casa brilhou.
E o pássaro cantou.
E o sol despertou novamente.
Meu pai nunca mais voltou.
Depois minha mãe se foi
E minha mãe nunca mais voltou.
Depois você se foi
E você nunca mais voltou.
Fiquei eu e minhas lembranças
Aqui, nesta casa vazia,
Cheia de silêncio, saudades e recordações.

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SAUDADE 1


De todos os que se foram: meu pai, minha mãe, você...
Ficou a saudade dos que não puderam mais ficar,
Dos que foram chamados e não puderam mais voltar
E de você que poderia ter ficado e não quis.

Meu pai poderia ter ficado e não pode.
Minha mãe poderia ter ficado e não pode.
Você poderia ter ficado e não quis.

Deus chamou meu pai.
Deus chamou minha mãe.
Eu chamei você.

Meu pai atendeu a Deus.
Minha mãe atendeu a Deus.
Você não atendeu ninguém.

Eu choro de saudade de meu pai.
Eu choro de saudade de minha mãe.
Eu choro de saudade de você.

Meu pai nunca mais voltará
Minha mãe nunca mais voltará
Minha você nunca mais voltará.

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VOLTAR É PRECISO...


Eu disse que voltaria e voltei...
Se não foi por você foi por mim mesmo...
Se não foi para encontrá-la eu me encontrei...
Mas voltei... e voltaria sempre
Para os estágios de nossos princípios...
Eu voltei e me entreguei...
A todos os fatos, a nada... mas voltei...
E voltaria sempre aos nossos idos não vividos,
Aos nossos segredos não revelados,
Voltei aos nossos pecados,
Aos nossos predicados,
Voltei ao que não nos presenteamos,
Aos nossos íntimos não revelados...
Voltei e, inesperadamente...
Encontrei você de volta...
Inacabada, Irresponsável, imatura....
Esperando por mim...
Por isso voltei...
E foi uma delícia...

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EU, O ESPECIALISTA EM SOLIDÃO


Tu és sempre bem-vinda à minha intimidade.
Minhas revelações começam na garagem.
Abre a porta e começa a conhecer meu coração:
Nas minhas vagas disponíveis jazem meu carro sozinho,
Sem acompanhante, e a lenha da minha lareira
Esperando a tua solidariedade.
Sobe pelo elevador que conduzir-te-á
Ao nível exato do meu abandono.
- Sou um especialista em solidão.
Há prova suficiente na minha ilha isolada.
Nos meus livros de poesia. Nos meus discos de metal.
Nos meus quadros e poemas.
Especialmente naqueles não pintados e não escritos
Que estão por vir dentro de mim. De minha
especialidade.
Toca a campainha, de som unitário.
Serás atendida com plenitude integrada.
Minha ânsia, minha consciência e minha
Expectativa estudadas
Dar-te-ão as boas-vindas e serás beijada, abraçada
E agraciada
Com meu afeto, meus sentimentos, uma música
Romântica e um copo de conhaque.
Entra pela porta.
Minha sala está escancarada.
Minhas cadeiras vazias
Do tamanho da tua companhia.
Minha vida, meu amor, meus braços te esperam.
No meu isolamento sejas bem-vinda.
Sou especialista em solidão.
Não vendo tristeza.
Não empresto amargura.
Não tenho maldade.
Se tu és esperança posso ser tua crença.
Se trazes a vida serei confiança.
Se buscas afeto serei tua criança.
Teu porto seguro se és barco sem rumo.
Teu macho na cama se buscas meu sexo.
Tua irreverência, tua inconseqüência
Tua liberdade e a nossa libertação.
Não te esqueças - sou especialista em solidão.
Conheço teus receios e medos
Teus abismos e espaços não ocupados
Nossas lacunas e teus preços amargos.
Fica à vontade...
Larga tua bolsa. Tira teus sapatos, teu casaco,
Teu cinto, tua máscara, tua indignidade
Com teus atos.
Põe para fora o teu passado, teus idos inconfessos,
Tua puberdade.
Sejas tu de fato e eu serei eu:
Exato, puro, abstrato.
Seremos nós neste nosso contrato - tu e eu
E nossos pecados ainda não revelados.
Não te esqueças - Sou especialista em solidão.
Portanto, sou confiável.

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A SORTE


Bate, bate, e bumba, retumba... E vai e vem de volta...
Retumba porque bate na porta que vem e bumba...
Bate e não vem de volta...

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RECOMEÇANDO


Amarra meu cadarço,
Arruma-me a camisa,
Dá-me um nó na gravata,
Beija-me a boca,
Deixa que eu vou-me embora...
Começar tudo novamente...

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sábado, 4 de outubro de 2008

VELHO CASARÃO


VELHO CASARÃO
Não, não e não. Não se compra mais nada nesta casa, a não ser comida e bebida, disse ele naquela manhã sombria. A casa já era um museu de tantas peças e mais peças guardadas como resultado de anos de acumulação inútil.

Cada estatueta, cada vaso, cada objeto contava estórias que justificavam as prateleiras e mesinhas cheias de coisas e coisinhas a mostra. Uns comprados em leilão, outros ganhos de amigos ou amantes, outros de origem que ele já desconhecia. Ganhos em casamentos passados então havia vários.

Quase sempre não se recordava mais do nome de quem o trouxera, se é que um dia soube. Ele não tinha coragem de se livrar das ali postadas recordações e também não fazia nenhum esforço para reduzi-las.

Muitas vezes ficava sentado à frente da estante maior, mais plena de coisas e via-se que seus olhos se perdiam em um passado de lembranças que parecia não ter passado.

Talvez ele mesmo não acreditasse que havia corrido tanto tempo sem que sua percepção contabilizasse e agora, se houvesse arrependimento de seus atos praticados, não caberia mais nenhuma correção. O que não foi feito deveria ter sido feito no passado.

Ele não se conformava muito com essa máxima. Sempre tinha intenção de retornar a certos lugares onde pudesse corrigir o rumo de pequenos pedaços de sua estória.

Onde pudesse, como se atrasando o relógio, fazer o sol nascer de novo sob a tarde cinza daquele outono. O mesmo sol claudicante que destruía tudo durante o ano todo. Menos hoje.

Levantou-se, tomou o casaco longo e achou que poderia ir atrás de pelo menos alguns pedaços do passado. Redimir-se. Justificar-se. Reconfortar-se. Foi a pé. Andou com passos compassados, conscientes, cuidadosos. Entrou. Procurou.

Encontrou, sentou e orou em cada quadra frente a cada uma das três fotos ovais amareladas.

03 Out. 08.

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A QUE DIMINUÍA


Quando percebeu que chegou Outubro ele lacrimejou. Tinha sempre muito medo da aproximação do fim do ano. O Natal, as festas, as reuniões nas casas, os cumprimentos. Não gostava. Não gostava, não escondia e os olhos marejavam. Meses antes já. Só de pensar.

Ela que era mais flexível não se importava. Durante o ano era mais estável. Mas ao se aproximar o fim de ano ia, como sempre, diminuindo de tamanho.
Num ano bissexto, por ser menor, errou os cálculos e acabou estando em tamanho quase normal no dia de Natal. Todos perceberam sua presença. Abraçaram, presentearam, beijaram, ofertaram cordeiro, tortas, frutas, bolos. Ela queria morrer... Jurou nunca mais terminar o ano visível.

Ele se preocupava com ela. Gostava de vê-la em Março, quando ela estava em seu tamanho normal. Não era nenhum manequim, mas tinha um porte.

Mas naquele outro ano ela apresentou nova surpresa... Ela, que escrevia bem, era letrada, tinha boa formação. Seus encolhimentos só começaram mais tarde depois da faculdade. Mas, de um dia para outro começou a comer letras em todos seus escritos. E foi piorando... Seu nome, bonito, começou a ficar menor... como ela!!!! Comia letras!... Não que passasse fome; letras alimentam? Não!? Porque não sabia o porquê. Acontecia e pronto. Uma vez ligaram do banco. Devolveram o cheque dela por não coincidir a assinatura. Parecia a dela, mas não se completava.
Toda vez que precisava comprovar seu nome escrito com a carteira de identidade tinha problema. Não coincidiam.

Se os problemas fossem nos meses em que encolhia tinha o recurso de se desculpar pelo tamanho, infantil às vezes, desencontrado no geral. Mas de Março a Setembro, quando não chovia e ela crescia e ficava no tamanho normal passava vexame. Tinha vergonha. Ficava triste se envergonhada.

Assim, naquele mês de Outubro tudo a perturbava. Sua taxa de colesterol subia. Sua glicose aumentava. A pressão nem se diga, saltava alto. Só ela diminuía e o medo de isso não acontecer a molestava. Depois que começava a sentir que diminuía, ficava mais tranqüila e mais saudável. Nesse tempo, até o fim do ano, encolhia e comia letras. Mas acabava tendo alguma utilidade. Tornava-se uma delicada vírgula.
03Out08

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